sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A história de uma mentira sem perdão


Tudo começou com aquela mentira para o afastar de si. Não queria que ficasse consigo por pena. Sara era assim: ou tudo, ou nada. Por isso disse-lhe que aquela noite não tinha tido significado nenhum e que ele podia muito bem ir à vidinha dele. E ele foi. Sara verteu muitas lágrimas, passou muitas noites em claro e um dia descobriu que ele namorava e estava muito feliz. O seu mundo desabou, saiu, bebeu, bebeu e bebeu e foi parar ao hospital. E foi ai que descobriu uma coisa que iria mudar a sua vida para sempre: estava grávida de quatro meses. Aquela noite tinha-lhe dado um filho e agora estava sozinha e ele estava apaixonado e feliz, mas por outra e ela não sabia o que fazer com a sua vida. Com aquele filho inesperado…
A barriga cresceu transportando dentro dela uma menina de nome Maria que Sara exibia orgulhosamente. E foi num dia em que muito perto dos nove meses, Sara passeava devagar por causa do peso da barriga, que surgiu a segunda mentira. João viu-a e ficou muito surpreendido com o estado de Sara. Quando lhe perguntou de quanto tempo estava e Sara percebeu onde ele queria chegar hesitou apenas uma fracção de segundo antes de responder que estava de oito meses. Ele pareceu ficar ligeiramente desapontado mas disfarçou bem, deu-lhe os parabéns e desejou-lhe toda a sorte do mundo. E ela não teve coragem de correr atrás, e não reparou a mentira em que entrara há nove meses atrás e também não desfez a que acabara de dizer.
O tempo passou e a Maria cresceu e começou a fazer perguntas. Mais uma vez Sara refugiou-se na mentira porque não saberia lidar com a verdade e com as consequências que essa verdade acarretaria. Disse que o pai tinha morrido logo depois de terem casado. Maria cresceu dizendo a todos que era órfã de pai. Maria não estranhou que tinha apenas o nome da mãe porque era inocente. Maria quase todos os dias via e falava com o João. Ele era professor de matemática da escola que Maria frequentava e tinha calhado ser professora dela, facto que gelou o coração de Sara no dia em que descobriu. João nem suspeitava que aquela adolescente sorridente que lhe calhara ensinar nesse ano era filha de Sara e muito menos dele próprio. E foi esse sorriso que o levou a gostar de Maria de uma forma especial. E aquilo que era suposto ser uma simples atracção da aluna pelo professor mais velho mas bem parecido passou a uma atracção verdadeira entre uma mulher e um homem no dia em que se reencontraram na faculdade, mais uma vez ela como aluna e ele como professor. E foi já depois de vários passeios na praia de mão dada que Maria disse em casa que iria jantar com o João. O mundo fugiu debaixo dos pés de Sara quando ouviu aquele nome. A custo perguntou quem era e Maria sorridente e feliz disse que era aquele professor bonito de olhos azuis, olhos que eram cópias dos dela. Sara ficou calada, colada, petrificada e nem reagiu quando a filha saiu.
Um pouco mais tarde Sara levantou-se, ligou à filha a saber onde estava e como um autómato foi ter ao restaurante, onde os encontrou de mãos dadas, felizes, olhando-se nos olhos, prometendo amor eterno.
De principio nenhum deles entendeu o que estava ela ali a fazer, a filha sem saber porque a mãe interrompia o seu jantar e o João por não saber o que tinha ela a ver com Maria.
Ela disse apenas estas palavras:
- João, a Maria é tua filha.
Virou as costas e saiu. Não conseguiu suportar a confusão e depois a dor que viu nos olhos de ambos.
Nenhum dos dois lhe perdoou. Ele porque passou vinte anos sem saber que tinha uma filha e ela por ter passado vinte anos sem saber que tinha um pai.
Ainda hoje Sara não se perdoa. Já passaram muitos anos, o seu cabelo ficou branco, as rugas vieram para ficar, as costas já não as endireita e o coração continua ferido com a ausência da sua filha, com a ausência do seu perdão. E enquanto Maria não lhe perdoar esta grande mentira que durou vinte anos e nove meses, também sara não se perdoa por ter mentido…

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